Arquivo de sistematização de conteúdos
Bibliografia da aula:
Leitura obrigatória:
FALCON, Francisco. A época Pombalina: Política Econômica e monarquia ilustrada. São Paulo: Ática, 1982, pp. 21-59 (“O mercantilismo e sua época”).
Leitura complementar:
BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: Séculos XV-XVIII – Os jogos das trocas. São Paulo: Martins Fontes, 2009, pp. 331-352 (“No topo da sociedade mercantil”)
DEYON, Pierre. O Mercantilismo. São Paulo: Khronos, 2001, pp. 17-55 (“Políticas e práticas do Mercantilismo”)
HECKSCHER, Eli F.; “Mercantilism”; The Economic History Review, Vol. 7. No. 1 (nov., 1936), pp. 44-54.
Materiais complementares:
Vídeos:
Aula: “Birth of political economy: mercantilism”, Shivakumar; History of Economic Theory, Department of Humanities and Social Sciences, IIT Madras, jul. 2012.
Aula: “O ouro e a Economia mundial”, João Paulo Garrido Pimenta, História do Brasil Colonial II, Dep. de História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Jul. 2017.
Entrevista: “The Ascent of Money”, Série “Conversations With History”, Niall Ferguson, University of California Television (UCTV), Dez. 2008.
Proposta de atividade:
Nesta atividade, os estudantes escolherão um entre três trechos da obra “O Mercador de Veneza”, de William Shakespeare, transcritos abaixo e que nesses excertos representa diferentes instituições sociais. O primeiro trecho versa sobre a relação entre matrimônio e estamentos sociais; o segundo sobre a dependência comercial e financeira da cidade-Estado e da centralidade da atividade mercantil; e, por fim, o terceiro sobre a aplicabilidade da justiça como ferramenta pretensamente equânime e tipicamente republicana.
No fórum, além de identificar as instituições ali representadas, é preciso relacionar os elementos ali inscritos aos caracteres de uma "era mercantilista", tendo como base o texto de leitura obrigatória desta aula, de autoria de Francisco Falcon.
O fenômeno da racionalização do Estado Moderno e suas novas práticas deverão ser contrastados com a decadência dos valores feudais, em franco processo de decomposição e na lógica ainda da transição entre feudalismo e capitalismo.
DOCUMENTO 1 - O Mercador de Veneza (1596-98) - Shakespeare
Ato I - Cena II Belmonte. Um quarto em casa de Pórcia. Entram Pórcia e Nerissa
[...]
PÓRCIA - Se fazer fosse tão fácil como saber o que se deve fazer bem, as capelas teriam sido igrejas e as choupanas dos pobres, palácios principescos. Bom predicador é o que segue suas próprias instruções. É-me mais fácil ensinar a vinte pessoas como devem comportar-se, do que ser uma das vinte, para seguir a minha própria doutrina. O cérebro pode inventar leis para o sangue, mas os temperamentos ardentes saltam por cima de um decreto frio. A senhorita loucura é uma lebre que pula por sobre a rede do bom conselho, o coxo. Mas esse raciocínio é inadequado para ajudar-me na escolha de um marido. Mas, ai de mim! "Escolha" é modo de dizer. Não está em mim nem escolher quem eu desejara, nem recusar quem me desagradar. Desse modo, dobra-se a vontade de uma filha viva ante a de um pai morto. Não é duro, Nerissa, não podermos escolher nem recusar ninguém?
NERISSA - Vosso pai foi sempre virtuoso, e as pessoas assim pias ao morrerem têm inspirações felizes. Por isso, a loteria concebida por ele, dos três cofres, de ouro, prata e chumbo, com a afirmativa de que quem escolhesse segundo o seu modo de pensar vos escolheria também, sem dúvida alguma só poderá ser ganha por quem vos ame verdadeiramente. Mas a que ponto vos sentis inclinada para qualquer dos pretendentes principescos que já se fizeram anunciar?
PÓRCIA - Enumera-mos, por obséquio, que os descreverei, à medida que os nomeares. Da descrição que eu fizer, deduzirás o grau de minha inclinação.
NERISSA - Primeiro, temos o príncipe napolitano.
PÓRCIA - Oh! Não passa de um potro xucro, porque toda sua conversa só gira em torno de cavalos, O Mercador de Veneza considerando ele especial atributo de suas boas qualidades saber ele mesmo ferrá-los. Receio muito que a senhora mãe dele haja prevaricado com algum ferreiro.
NERISSA - Depois, temos o conde palatino.
PÓRCIA - Esse anda sempre de sobrecenho fechado, como se estivesse a dizer: "Se não me quiserdes escolher, decidi logo". Ouve histórias alegres sem sorrir; receio que, ao envelhecer, se torne filósofo chorão, já que na mocidade revela tão selvagem sisudez. Prefiro desposar uma caveira com um osso na boca a escolher um qualquer desses pretendentes. Deus me defenda de ambos.
NERISSA - E que dizeis do senhor francês, Monsieur Le Bon?
PÓRCIA - Foi Deus que o fez; por isso, que passe por criatura humana. Em verdade, sei perfeitamente que é pecado zombar. Mas esse! Possui um cavalo melhor do que o do napolitano, sendo o seu mau hábito de franzir o sobrolho mais suportável do que o do conde palatino. É todo o mundo e ninguém. Se um tordo canta, põe-se a fazer cabriolas; se casar com ele, casarei com vinte maridos. Se ele me desprezar, perdoar-lhe-ei, porque ainda que me amasse até à loucura, jamais poderia retribuir-lhe o amor.
NERISSA - Que dizeis, então, de Falconbridge, o jovem barão da Inglaterra?
PÓRCIA - Bem sabeis que dele nada posso dizer, porque nem ele me compreende, nem eu a ele. Não fala nem latim, nem francês, nem italiano, assim como podeis prestar juramento no Tribunal de Justiça em como não possuo um só real da língua inglesa. É um belo retrato de homem; mas quem poderá conversar com uma figura de pantomima? E que maneira extravagante de vestir-se! Suspeito que comprou o gibão na Itália, os calções largos na França, o gorro na Alemanha e suas maneiras em toda parte.
NERISSA - Que pensais do senhor escocês, seu vizinho?
PÓRCIA - Que revela qualidade vizinhesca, pois recebeu emprestada do inglês uma bofetada, tendo jurado que a pagará quando puder. Creio que o francês foi o seu fiador, que subscreveu mais uma bofetada.
NERISSA - Como vos parece o jovem alemão, sobrinho do Duque de Saxônia?
PÓRCIA - Repelente pela manhã, quando ainda não está bêbedo, e repelentíssimo à tarde, depois do pifão quotidiano. No seu melhor estado é pouco pior do que homem; no pior, pouco melhor do que animal. Por pior que me possa acontecer, ainda espero poder livrar-me dele.
NERISSA - Se ele se decidir a escolher e escolher o cofre bom, desobedecereis à vontade de vosso pai, no caso de vos recusardes a aceitá-lo.
PÓRCIA - Por isso, de medo do pior, peço-te que coloques sobre um dos cofres em branco um copo bem cheio de vinho do Reno. Porque ainda que o diabo estivesse dentro desse cofre, estando fora a tentação, ele escolherá esse mesmo. Tudo, Nerissa, menos casar-me com uma esponja.
NERISSA - Não precisais ter medo, senhorita, de que possais vir a casar com qualquer desses pretendentes, pois todos eles me comunicaram a determinação de voltar para casa, cessando de vos importunar com vos fazerem a corte, a menos que pudésseis ser conquistada por outro meio que não o da imposição de vosso pai, com relação aos cofres. O Mercador de Veneza
PÓRCIA - Ainda que eu chegue a ficar tão velha quanto Sibila, morrerei tão casta como Diana, no caso de não ser conquistada segundo as condições estipuladas por meu pai. Alegra-me saber que esses pretendentes se mostram tão razoáveis, pois não há um só entre eles cuja ausência eu não deseje com todas as veras da alma, pedindo a Deus que lhes conceda uma boa viagem.
NERISSA - Não vos recordais, senhora, no tempo em que vosso pai ainda vivia, de um veneziano, soldado e estudante, que aqui veio em companhia do Marquês de Montferrat?
PÓRCIA - Sim, sim; se não me engano, chamava-se Bassânio.
NERISSA - Isso mesmo, senhora; esse, de todos os homens que estes olhos têm contemplado, é o mais digno de uma bela esposa.
PÓRCIA - Lembro-me perfeitamente dele, assim como me lembro de que é merecedor desse elogio. (Entra um criado.) Então, que há de novo?
CRIADO - Senhora, os quatro estrangeiros vos procuram, para apresentarem suas despedidas, tendo chegado, também, o mensageiro de um quinto, Príncipe de Marrocos, que trouxe a noticia de que o príncipe, seu amo, chegará aqui esta noite.
PÓRCIA - Se eu pudesse apresentar as boas-vindas ao quinto com a mesma disposição com que me despeço dos outros quatro, sua chegada me deixaria alegre. Se ele tiver a compostura de um santo e a cor do diabo, melhor fora que, em vez de desposar-me, me confessasse. Vamos, Nerissa. Segue na frente, maroto. Enquanto fecham o portão a um pretendente, bate outro à porta. (Saem.)
P. 6-8
DOCUMENTO 2- O Mercador de Veneza (1596-98) - Shakespeare
Ato III - Cena III Veneza. Uma rua. Entram Shylock, Salarino, Antônio e o carcereiro
SHYLOCK - Toma-me conta dele, carcereiro. Não me fales de graça, que este é o bobo que emprestava sem juros. Carcereiro, toma-me conta dele.
ANTÔNIO - Uma palavra, meu bondoso Shylock.
SHYLOCK - O pagamento de minha letra! Nada ouvir desejo contra essa letra. Fiz um juramento de como havia de exigir a dívida. Chamaste-me de cão sem teres causa. Se eu sou cão, tem cuidado com estes dentes. O doge me fará justiça. Admira-me, carcereiro relapso, que te mostres condescendente a ponto de saíres com ele à rua.
ANTÔNIO - Por obséquio, ouvi-me.
SHYLOCK - Só quero o pagamento. Não desejo que me fales. Só quero o pagamento. Sendo assim, será inútil me falares. De mim não se fará um desses bobos moleirões, de olhar triste, que a cabeça sacodem, e se mostram condoídos, suspiram, consentindo em fazer quanto lhes pedem os cristãos intermediários. Não me acompanhes, pois não quero ouvir-te; só quero o pagamento. (Sai.)
SALARINO - É o cão de fila mais insensível que entre os homens anda.
ANTÔNIO - Deixai-o ir; não hei de importuná-lo daqui por diante com inúteis preces. Quer ver-me morto, e eu sei a razão disso. Já livrei muita gente de ser vítima de suas extorsões. Por isso odeia-me.
SALARINO - Tenho quase a certeza de que o doge não deixará vingar esse contrato.
ANTÔNIO - Poder não tem o doge para o curso da lei deter. Se fossem denegados aos estrangeiros todos os direitos que em Veneza desfrutam, abalada ficaria a justiça da república, pois o lucro e o comércio da cidade se baseiam só neles. Pois que seja! As perdas e os desgostos de tal modo me abateram, que mui dificilmente ficarei amanhã com uma libra de carne, para resgatar a conta de meu feroz credor. Sigamos, guarda! Se Deus fizesse que Bassânio viesse ver-me no instante de pagar-lhe a dívida, tudo o mais me seria indiferente. (Saem.)
P. 31-32.
DOCUMENTO 3- O Mercador de Veneza (1596-98) - Shakespeare
Ato IV - Cena I
[...]
ESCRIVÃO - "Saberá Vossa Graça que ao receber vossa carta eu me encontrava gravemente doente. Mas justamente à chegada de vosso emissário eu recebia a agradável visita de um jovem doutor de Roma, de nome Baltasar. Expus-lhe o motivo da controvérsia entre o judeu e o mercador Antônio; juntos, compulsamos muitos livros; ele esposa minha opinião, que, secundada por seu próprio saber - cuja profundidade eu não poderia elogiar suficientemente - ante a minha insistência, ele vos leva, para atender, em meu lugar, ao chamado de Vossa Graça. Insisto junto de Vossa Graça no sentido de que os seus poucos anos não sirvam de obstáculo para que lhe venha a faltar o devido apreço, pois nunca tive conhecimento de um corpo tão moço com uma cabeça tão velha. Entrego-o ao vosso gracioso acolhimento, na certeza de que essa prova será a sua melhor recomendação."
DOGE - Ouvistes as palavras do erudito Belário. E eis que nos chega o seu colega, se não me engano. (Entra Pórcia, em trajes de doutor em direito.) Dai-me a mão. Do velho Belário foi que viestes?
PÓRCIA - Sim, senhor. DOGE - Sois bem-vindo. Assentai-vos. É do vosso conhecimento a dissidência que hoje se discute perante nossa corte?
PÓRCIA - Conheço os pormenores da pendência. Onde está o mercador? Qual é o judeu?
DOGE - Ambos aqui presentes. Este é Antônio; este, o velho Shylock.
PÓRCIA - É vosso nome Shylock?
SHYLOCK - Assim me chamo.
PÓRCIA - Assaz estranha é a natureza dessa vossa causa. Mas as leis de Veneza não vos podem desatender, se persistis no intento. (A Antônio.) Estais inteiramente ao dispor dele, não é verdade?
ANTÓNIO - Assim ele o proclama.
PÓRCIA - Reconheceis a letra?
ANTÔNIO - Reconheço-a.
PÓRCIA - É, pois, preciso que o judeu se mostre clemente. SHYLOCK - Constrangido por que meios, não podereis dizer-me?
PÓRCIA - A natureza da graça não comporta compulsão. Gota a gota ela cai, tal como a chuva benéfica do céu. É duas vezes abençoada, por isso que enaltece quem dá e quem recebe. É mais possante junto dos poderosos, e ao monarca no trono adorna mais do que a coroa. O poder temporal o cetro mostra, atributo do medo e majestade, do respeito e temor que os reis inspiram: mas a graça muito alto sempre paira das injunções do cetro, pois seu trono no próprio coração dos reis se firma; atributo é de Deus; quase divino fica o poder terreno nos instantes em que a justiça se associa à graça. Por tudo isso, judeu, conquanto estejas baseado no direito, considera que só pelos ditames da justiça nenhum de nós a salvação consegue. Para obter graça todos nós rezamos; e é essa mesma oração que nos ensina a usar também da graça. Quanto disse, foi para mitigar o teu direito; mas, se nele insistires, o severo tribunal de Veneza há de sentença dar contra o mercador.
SHYLOCK - Que os meus atos me caiam na cabeça. Só reclamo a aplicação da lei, a pena justa cominada na letra já vencida.
PÓRCIA - Não pode o mercador pagar a dívida?
BASSÂNIO - Pode, sim; deposito ante esta corte, ele, essa importância... não, o dobro. Caso isso ainda não baste, comprometo-me a dez vezes pagar a mesma dívida, no que empenho a cabeça, as mãos, o próprio coração. Caso, ainda, isso não chegue, fica patente que a malícia vence, neste pleito, à lisura. Assim, suplico-vos torcer a lei uma só vez, ao menos; tendes força para isso. Uma injustiça pequena cometei, para fazerdes uma grande justiça, assim frustrando no seu intento a este cruel demônio.
PÓRCIA - Não é possível; força alguma pode em Veneza mudar as leis vigentes. Muitos abusos, ante um tal exemplo, viriam a insinuar-se na república. Não pode ser.
SHYLOCK - Daniel veio julgar-nos! Sim, um novo Daniel! O sábio e jovem juiz, como eu te acato!
PÓRCIA - Por obséquio, mostrai-me a letra; quero examiná-la.
SHYLOCK - Aqui está ela, muito reverendo doutor; aqui está ela.
PÓRCIA - Três importes da dívida, Shylock, te oferecem.
SHYLOCK - Um juramento! Um juramento! Tenho no céu um juramento. Poderia na alma lançar o fardo de um perjúrio? Nem por toda Veneza.
PÓRCIA - O documento já está vencido. Legalmente pode reclamar o judeu, por estes termos, uma libra de carne, que ele corte de junto ao coração do mercador. Sê compassivo; aceita triplicada a importância da dívida e permite-me rasgar o documento.
SHYLOCK - Após o vermos liquidado de acordo com seus termos. Mostrastes ser juiz de grande mérito; conheceis bem as leis; foi muito clara a exposição de há pouco. Assim, intimo-vos, pela lei de que sois um dos pilares mais dignos, a emitir o julgamento. Juro pela minha alma que nenhuma língua humana é capaz de demover-me de minha decisão. Só quero a letra.
ANTÔNIO - De todo o coração suplico à corte pronunciar a sentença.
PÓRCIA - Pois que seja. Consiste a decisão em preparardes o peito para a faca do credor.
SHYLOCK - Oh nobre juiz! Oh extraordinário jovem!
PÓRCIA - Pois a intenção e o espírito da lei estão de acordo com a penalidade cominada na letra.
SHYLOCK - É muito certo. Oh juiz íntegro e sábio! Quanto, quanto mais velho não serás do que aparentas!
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“A história me precede e se antecipa à minha reflexão. Pertenço à história antes de pertencer a mim mesmo”.
RICOEUR, Paul. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S.A., 1977, p. 39.