“Pouco dias depois do tsunami, a notícia de ajuda aos milhões de afetados com o desastre correu o mundo. A mídia noticiava com entusiasmo a união global, há muito tempo não vista, em favor dos afetados pelo fenômeno natural. Volta e meia os holofotes se voltavam para uma celebridade de Hollywood, anunciando a sua contribuição. Governos do mundo todo faziam o mesmo, e Tio Sam oferecia alguns trocados. Tudo isso enquanto as cenas de terror de 26 de dezembro de 2004 eram exaustivamente repetidas nos meios de comunicação, mostrando os rostos incrédulos de crianças, adultos e idosos que fugiam, sem saber nem ao menos do que, pelo puro instinto de sobrevivência que nos aproxima nesses momentos dos animais. Mais incrédulo fiquei eu, vendo a frieza com que o apresentador comentava as tristes imagens, às vezes em “close”, outras em câmera lenta, em todos os ângulos. Um acontecimento, assim como o 11 de Setembro ou a Guerra do Iraque,para o deleite de alguns espectadores, que esperavam ansiosos por aquele espetáculo, tal qual nas arenas romanas.Tudo para manter a atenção da dona-de-casa na tela da TV. E essa mesma dona-de-casa se incomoda com o que vê e decide ajudar os pobres coitados. Ela se vangloria de seu gesto nobre, orgulhosa. A campainha toca na casa. Um mendigo maltrapilho, no portão, apenas ouve a resposta ao seu pedido: “Aqui não tem nada pra você, não!”.
Talvez se passasse na cabeça do andarilho, pelo menos naquele momento, o desejo de ser indiano.
UCHIYAMA, Alex. A tragédia do ser humano. Condutor, Informativo do Centro de Engenharia da Escola Politécnica da USP, Março/2005, p. 8, 1 col.
“. . . O cérebro não tem mais a função de pensar a realidade, de refletir sobre ela; são só canos através dos quais a interpretação de mundo dada pela indústria cultural, vinda de fora do indivíduo, é introjetada, aceita, sem ser discutida.”
Maria Helena Pires Martins (Coleção MAC, p. 258).
"O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde, isso tanto é mais grave porque, nas condições atuais da vida econômica e social, a informação constitui um dado essencial e imprescindível. Mas na medida em que o que chega às pessoas, como também às empresas e instituições hegemonizadas, é, já, o resultado de uma manipulação, tal informação se apresenta como ideologia. O fato de que, no mundo de hoje, o discurso antecede quase que obrigatoriamente uma parte substancial das ações humanas - sejam elas a técnica, a produção, o consumo, o poder - explica o porquê da presença generalizada do ideológico em todos esses pontos. Não é de estranhar, pois, que realidade e ideologia se confundam na apreciação do homem comum, sobretudo porque a ideologia se insere nos objetos e apresenta-se como coisa."
Milton Santos ("Por uma outra globalização", Record, 2001, p. 39)
"Falava-se, antes, de autonomia da produção, para significar que uma empresa, ao assegurar uma produção, buscava também manipular a opinião pela via da publicidade. Nesse caso, o fator gerador do consumo seria a produção. Mas, atualmente, as empresas hegemônicas produzem o consumidor antes mesmo de produzir os produtos. Um dado essencial do entendimento do consumo é que a produção do consumidor, hoje, precede à produção dos bens e dos serviços."
Milton Santos ("Por uma outra globalização", Record, 2001, p. 48)
“Assim como as pessoas sabem ou sentem que os anúncios e as plataformas políticas não têm de ser necessariamente verdadeiros ou certos e, não obstante, os ouvem e lêem e até se deixam orientar por eles, assim também aceitam os valores tradicionais tornando-os parte de seu equipamento mental. Se as comunicações em massa misturam harmonicamente e, com frequência, imperceptivelmente, arte, política, religião e filosofia com anúncios, levam essas esferas da cultura ao seu denominador comum – a forma de mercadoria” (...) O que importa é o valor de troca e não o da verdade”
Herbet Marcuse, “Ideologia da sociedade industrial”. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 70.
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“A história me precede e se antecipa à minha reflexão. Pertenço à história antes de pertencer a mim mesmo”.
RICOEUR, Paul. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S.A., 1977, p. 39.