“O sangue das palavras”
 
 O poeta que nasce é uma criança
 parida pela água torturada
 uma nave que surge uma nuvem que dança
 ao mesmo tempo livre e condensada.
 O poeta que nasce é a matança
 da palavra demente e enjeitada
 que o chicote do poema torna mansa
 depois de possuída e mal amada.
 Quando o poeta nasce a madrugada
 aperta os versos num abraço rouco
 até que a noite fique esvaziada.
 E enquanto das palavras pouco a pouco
 surge a forma perfeita ou agitada
 no mundo morre um deus ou nasce um louco.
“Epígrafe”
 
 De palavras não sei. Apenas tento
 desvendar o seu lento movimento
 quando passam ao longo do que invento
 como pré-feitos blocos de cimento.
 
 De palavras não sei. Apenas quero
 retomar-lhes o peso a consistência
 e com elas erguer a fogo e ferro
 um palácio de força e resistência.
 
 De palavras não sei. Por isso canto
 em cada uma apenas outro tanto
 do que sinto por dentro quando as digo.
 
 Palavra que me lavra. Alfaia escrava.
 De mim próprio matéria bruta e brava
 _ expressão da multidão que está comigo.
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“A história me precede e se antecipa à minha reflexão. Pertenço à história antes de pertencer a mim mesmo”.
RICOEUR, Paul. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S.A., 1977, p. 39.





